Se um acontecimento me amola, escrever me consola. Mas essa frase não é minha. Pertence a uma amiga tão doce que o mundo não conseguiu segurar: foi chamada para o outro lado, onde também são convocados os melhores. Mônica El Bayeh. Poetisa de talento raro. Transbordava poesia pelos poros, era feita dela.
Tudo que sei sobre poesia, e o amor que tenho por ela, devo a Mônica. Foi quem me ensinou tudo. Um dia, me presenteou um dicionário de rimas, quando nem mesmo o Radar UOL, aquele buscador de um tempo distante, teria sido capaz de me socorrer.
Ela sempre me dizia: "Escrever palavras secas e duras demora o mesmo tempo que poetizá-las." Isso me pegou num lugar da alma que nunca mais soltou. Hoje, conversando com um amigo, entre aquelas prosas onde nos derramamos sem reservas, ouvi: "Meu amigo, sempre um poeta." Não era a primeira vez que me diziam isso. Talvez houvesse um riso na frase. E se havia, não me incomodou: era um carinho, vindo de quem veio. Mas, ao ouvi-la, lembrei de Mônica.
Quantas vezes escolhemos a vida seca, áspera, quando poderíamos vivê-la poetizada? Não falo de escrever versos o tempo todo, mas de enxergar as poesias ocultas. As que se escondem ou se revelam sem disfarces, mas que deixamos passar. Poesia é o perfume que atravessa a rua e nos alcança. A música que escapa por uma janela aberta. O pôr do sol que nos toma de assalto e nos deixa sem ar. O abraço inesperado. O reencontro depois de muito tempo. O cheiro da chuva molhando a terra cansada.
Mônica era assim. Era toda poesia. E como me fazem falta suas palavras: suas colunas no Jornal Extra, sua escuta de psicóloga talentosa e sensível. Mas hoje, não escrevo este texto para quem assina minha newsletter, nem para os que chegam aqui ao acaso. Escrevo para ti, minha amiga.
E deixo aqui um verso teu, um presente que me destes. Eu li e disse: "Mônica, amei tanto essa poesia." E tu sorriste, com aquele jeito "sapeca" que tinha e disse: "Então ela é tua."
DE TUDO O QUE NÃO PODE SER DITO
De tudo o que não pode ser dito
Entre prazer e dor faço segredo
No fundo e no raso: amo você
Da noite escura ao dia mais cedo
De tudo o que não pode ser dito
Às vezes eu mesmo por mim intercedo
Em meu pensamento tatuado teu nome
Sinto tanto que em silêncio excedo
De tudo o que não pode ser dito
Da minha cerveja você é levedo
Do meu churrasco a carne mais pura
A mais doce uva do meu vinhedo
De tudo o que não pode ser dito
E se eleva em mim como rochedo
Queria te contar, mas calo
Por carta, por voz ou torpedo
De tudo o que não pode ser dito
Você é ápice do meu enredo
Queria beijar, abraçar, trançar almas
Fico criança sem meu melhor brinquedo
De tudo o que não pode ser dito
Sem você não tem mel, sou azedo
Fico de longe tão perto
Me sinto triste arremedo
De tudo o que não pode ser dito
Você é recanto do meu arvoredo
Sinto teu cheiro, abraço o ar
E tonto de ti, me caio meio bêbado
De tudo o que não pode ser dito
Me ocorre tentar, mas retrocedo
Decidi ser feliz em meu amor oculto
Não é obstáculo, é suave penedo
De tudo o que não pode se dito
Estar com você é alegre folguedo
Amo por dois e desfruto por dentro
Essa é a sinfonia de meu amor passaredo
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