Dia desses, conversava com uma amiga sobre como é bom se apaixonar. Paixão é prova de vida. Um sopro que reanima o peito, um arrepio que desperta o que antes dormia. O coração tropeça, se atrapalha, dá pulinhos que aquecem a alma, lembrando que ainda pulsa.
Mas a paixão não é só Eros. Pode ser também um encanto direcionado: por um ofício, por uma ideia, por um som, uma cor, um gesto. Pode ser a chama de um hobby ou o fervor de um conhecimento recém-descoberto. Mas não foi a arte que me pegou dessa vez. Foi você.
Você, que partilha comigo o gosto pelo belo, pelo som e pela palavra. Você, que escolhe a gentileza como religião e faz do afeto um idioma.
Me apaixonei pelo brilho dos teus olhos – não apenas pelo reflexo da luz, mas pelo que eles dizem quando ninguém está olhando. Pelo modo como você vê o que outros não percebem, como atravessa as camadas invisíveis da existência e enxerga mais do que o óbvio.
Me apaixonei pelo teu sorriso. aquele que não nasce apenas da alegria fácil, mas também das dores secretas, das cicatrizes que aprenderam a rir de si mesmas.
Me apaixonei pelo teu sabor, pelo sal e pelo açúcar em excesso, pela forma como você oscila entre o quente e o frio, mas nunca se permite ser morno.
E ao me apaixonar por você, reencontrei a mim mesmo. Descobri, entre os teus gestos e palavras, pedaços meus que haviam se perdido naquele quartinho dos fundos onde eu já não procurava mais nada.
E quando me achei, percebi que poderia seguir. Com você ou sem você. Apesar de você ou ao seu lado. Mas, acima de tudo, percebi que poderia viver além de você.
E agora?
Agora, eu sigo. Como toda paixão, você foi um vento que balançou as cortinas, mas não arrancou as janelas. Foi um instante de vertigem, mas não a queda. Porque a vida, no fim, não se sustenta no efêmero da paixão. Ela precisa de chão, de continuidade.
E se o amor for líquido, como disse Bauman, que eu aprenda a nadar sem medo de afundar. Se a sociedade da transparência de Byung-Chul Han me exigir um eu exposto e visível, que eu guarde para mim ao menos os sentimentos mais secretos, esses que fazem a alma respirar.
E se eu ainda me perguntar “e agora?”, que a resposta seja simples: agora, eu vivo.
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